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prosa com poeta: Débora Tieppo

atriz e performer, Débora Tieppo é um respiro da natureza interferindo na cidade urbana.


O que é a cidade?

A cidade é uma ficção, um cenário onde atuam os papéis. Poderia dizer também que é um jogo, vence aquele que atinge a meta, que tem “sucesso” e perde aquele que não se enquadra. Um “mundo” construído dentro do Mundo. Vivemos uma história humana fora do contexto da história do Planeta Terra. Aqui nessa pseudo-realidade não recebemos educação para termos consciência planetária ou autoconhecimento. A educação está mais preocupada em nos preparar para o mercado de trabalho e o mundo real, a natureza, também sofre as consequências disso.


Qual a importância da performance pra cidade?

Lembrar que não somos peças mecânicas da engrenagem do sistema e sim humanos! A performance na cidade é uma forma de mandar o seguinte recado: quem me governa sou eu! Cada um é o comando de sua própria vida. É uma forma de manifestar o espírito da liberdade, de quebrar as algemas da alienação, do condicionamento, da manipulação, das diversas formas de dominação. A performance tem o poder de evocar nosso senso crítico, é um convite para reflexão. Meus olhos fumegantes vão penetrar os seus e eu vou acender uma faísca nesse instante... sim, nós temos o poder de transformar. Quanto mais perigosa for a performance para a cidade mais importante ela é.


O que é o teatro?

O teatro é um espelho, um espelho do nosso complexo universo interior, dos nossos comportamentos e da nossa sociedade. O teatro nos revela nossas próprias sombras, loucuras e glórias, e por nos fazer enxergar tudo isso também tem o poder de redimir, de iluminar nossas escuridões. O treinamento primordial de um ator é alcançar um estado de presença diferenciado, é saber estar inteiro aqui agora, então cada instante em cena guarda a eternidade e flameja como o fogo. A magia acontece!


Você acabou de voltar de um retiro. Já é sua segunda experiência, certo? Consegue fazer uma reflexão sobre essa experiência?

Bem, estamos aqui né, vivendo dentro do quadro social, a tal ficção do cotidiano e como nesse jogo ganha quem vende, sofremos assédios publicitários constantemente, um apelo insano nos faz crer que necessitamos de uma série de produtos. Desconectados da natureza, procuramos artifícios que preencham o vazio de nossas almas e nos traga uma dose de prazer, para não morrermos de sede! Vivemos diariamente um bombardeio de luzes e de informações, somos convencidos a nos envenenar e a pagar por isso. Enfim, acontece que somos sistemas abertos, trocando informações com o meio em que vivemos e todo esse processo acaba por exaurir nossos canais de percepção e nossos sentidos, são tantos conteúdos que ingerimos que acabamos ficando embotados, perdemos nossa capacidade mais fundamental, a de SENTIR! Talvez as cores sejam muito mais vibrantes do que você imagina sabe... talvez outra dimensão da vida esteja nascendo... eu aceito ser a louca da caverna de Platão que ousou atravessar o muro em busca de uma nova realidade. A primeira vez que eu embarquei nessa experiência do retiro, onde ficamos isolados em uma cabana simples em meio a natureza, aconteceu esse esvaziamento, essa limpeza de todo esse conteúdo que estava obstruindo meus canais, e então foi possível para mim perceber, enxergar, sentir e viver uma nova realidade que raiava como a luz do Sol. Como foi lindo encontrar o silêncio, o breu da noite, o brilho das estrelas e saciar aquela sede tão antiga. Eu estava com saudade, muita saudade! Aqui são tantas distrações que nos distanciam de nós mesmos, lá não tem como fugir... o encontro é entre você e você. Sabe por que a gente tem medo da solidão? Porque temos medo de nós mesmos, temos medo do desconhecido e não nos conhecemos. Temos medo da natureza, mas foi ela que nos deu a vida. Como é bom superar nossos medos e ver que boa parte deles nada mais é do que fantasia da mente.


Uma vez perguntaram ao Tião Carvalho o que era a pátria e ele respondeu: ”não sei o que acontece com os índios na Amazônia, como posso saber o que é a pátria?". Você teve contato com povos tradicionais. Como foi essa experiência?

Tive breves contatos. Em contraste com a arrogância do homem ocidental científico, dominador da terra, os povos tradicionais possuem uma simplicidade brilhante, uma humildade que é símbolo de sua nobreza. Se por um lado a civilização enxerga a natureza como massa inerte a ser explorada indefinidamente a fim de gerar lucro, os povos indígenas reconhecem o Espírito vivo do nosso Planeta e vivem integrados ao meio. A natureza vem sendo devastada, assim como a cultura indígena. São séculos de resistência! Realmente, não podemos falar sobre a pátria sem ressaltar nossa maior riqueza, o verdadeiro tesouro: o solo sagrado da floresta amazônica e sua biodiversidade. Se um dia você me ver carregando uma bandeira, saiba que é por amor a floresta! Deve ser a insanidade que leva o homem a acreditar que números imaginários numa conta bancária valem mais do que o pulsar da vida.



Há pessoas que chegam quase a se camuflar na natureza, apesar de todo ser humano ser uma espécie natural. Quando você se misturou na natureza?

Eu sou a natureza. Eu pergunto: quando o homem se esqueceu que ele é a natureza? O resultado biológico de bilhões de anos de evolução. Somos uma espécie natural dentre diversas outras, não é mesmo? Acho que a cura da humanidade está nesse religar com a fonte criadora, nossa Mãe Natureza. Pra mim, a felicidade é sentir a comunhão com o Todo. Meu remédio são as águas esmeralda desse gigantesco mar, é o céu azul, a grandeza dos astros, o vento das montanhas, o perfume das matas. Se procura saúde, vigor, vai mergulhar na natureza que lá está o bálsamo para o corpo e a alma.


Para encerrar. A natureza talvez seja o impulso pra você intervir na cidade?

Sabe aquela planta guerreira que nasce até nas rachaduras do cimento? Sou eu! Eu vou cobrir as ruínas do velho mundo com o verde da esperança.



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