Ken Ngwa, esse homem que sonha foi o responsável por levar uma trupe de cineastas malucos pra fazer um filme em Yaoundé, capital da República dos Camarões. uma produção cheia de aventuras que no final valeu pelas lágrimas de um homem que realizou o sonho.
foto: Vitor Miranda
Vitor: Marthin Luther King disse: "eu tenho um sonho". qual o seu sonho?
Ken: Meu sonho é trazer cultura africana pra América.
Vitor: você fez seu primeiro filme na República dos Camarões. por que escolheu o país?
Ken: Porque é minha origem. Nasci em Bangui, que é a capital e maior cidade da República Centro-Africana, mas toda a minha família nasceu no Camarões. Quis mostrar um pouco da realidade da minha origem através do cinema.
Vitor: qual a sensação de filmar no Camarões?
Ken: Na verdade, a minha sensação foi de estar numa escola de cinema. É meu primeiro filme. Nunca tinha feito nada. Tive um sonho e quis realizá-lo. Mas a sensação mesmo foi de aprender.
Vitor: no último dia dos 30 dias que ficamos lá, conseguimos terminar a gravação e no último take fomos presos. conseguimos sair da cadeia depois de negociar. antes de ir pro aeroporto fomos parados pela polícia e ainda sofremos um acidente quando nosso taxista atropelou um motoqueiro. chegando no aeroporto, ao meu lado, no banco de trás do táxi, você chorou. por que?
Ken: O que? Nunca chorei.
Vitor: chorou. eu vi. estava do seu lado. fala desse sentimento. é bonito.
Ken: Tive muitos sentimentos no último dia. Foi uma experiência e tanto. Estava me sentindo muito estranho, pois já havia realizado muitos projetos nos EUA, mas nunca um longa-metragem. Estava lá com muitas pessoas de diferentes lugares do mundo: Estados Unidos, África, Brasil. Todos fazendo o projeto juntos. Tive uma emoção muito grande e chorei por essa experiência. Uma coisa cresceu dentro do meu coração fazendo esse filme. Descobri ali que quero fazer arte, fazer cinema por toda a minha vida.
Vitor: você viajou para diversos países e sabe falar alguns idiomas. qual é o idioma que você mais gosta?
Ken: Eu posso falar até seis idiomas. Normalmente pra gente africana nós temos idioma da nossa tribo, temos idioma pra comunicação, idioma terceiro. Meu primeiro idioma foi o francês, mas quando cheguei nos EUA esqueci muito desse idioma e só voltei a estudar depois de velho. Mas a razão de eu falar português é porque quando tinha oito anos, ainda vivendo em Bangui, meu pai trabalhava pra Nações Unidas e ele me levou numa festa. Lembro que encontrei uma menina branca de sete anos que falava português. Pra mim ela era muito estranha. Não a entendia. Ela disse que era de Angola. "Angola? Onde é Angola? Você não fala francês bem". Daí ela me mostrou Angola num globo e eu pensei "Uau! Legal! O mundo é grande!". Essa é a razão de eu gostar de falar português agora. Por causa dessa experiência com essa menina quando eu era criança. Mas eu posso falar francês, inglês, entender dois idiomas africanos, posso me comunicar em hebraico também. Eu adoro idiomas!
Vitor: e qual seu país preferido?
Ken: São três os meus países preferidos. Israel, Camarões e Brasil. O mundo não me importa. Só há três lugares em meu coração. Camarões é meu sangue, Brasil minha alma e Israel é minha inspiração.
Vitor: e a última pergunta, que não posso deixar de fazer. no Brasil, e acredito que no mundo, as pessoas brancas não sabem o que é o racismo. o que é o racismo?
Ken: Uau! Essa pergunta é difícil, pra mim, explicar em poucas frases, mas vou tentar. Racismo em meu mundo existe, mas eu tenho educação boa, família boa, amigos bons, não quero dizer dinheiro, mas... eu tenho mais oportunidades do que outras pessoas. Mas o racismo é uma coisa muito ruim porque você pode ver uma pessoa e essa pessoa pensa maldade dessa outra pessoa só por causa da cor dela. É ruim. Por exemplo: eu moro nos EUA, minha família mora num lugar muito bom e esse lugar não tem negros, apenas minha família e também outra família árabe. Lembro quando nós mudamos, eu estava andando na rua junto com meu primo e meu irmão, e uma polícia chegou e parou a gente: "onde vocês moram? por que estão andando aqui nesta rua? por que estão aqui nesse bairro?". Nunca vou esquecer esse momento, porque eu era novo no bairro e eu falei com eles que a gente tinha chegado há uma semana e ainda não tínhamos identificação e que não tinha razão pra fazerem aquelas perguntas. Essa coisa aconteceu comigo e faço parte de uma família boa, sabe? Isso é racismo. Tive outros exemplos, especialmente com polícia daqui. Quando estou viajando passo por experiências de racismo também. No Brasil , pra mim, é diferente. Tenho amigos brasileiros nos EUA e todos eles são brancos. Nunca encontrei afro-brasileiros nos Estados Unidos. Só quando fui ao Brasil. Foi interessante. Fui à uma festa com amigo branco brasileiro que conheci aqui. Na sociedade do Brasil ele é rico. E quando fomos entrar na festa perguntaram a ele: "você veio com seu segurança?". Racismo, sabe? Às vezes vir de família 'boa', ter oportunidades, dinheiro, não te salva do racismo. Mas sou uma pessoa boa, mostro que tenho alma boa, coração bom e dou exemplo pra essas pessoas.
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