a jovem poeta que venceu aos quatorze anos o festival literário do Sesc Cornélio Procópio com um poema de temática feminista que escreveu aos treze. Ana Luiza tem o pensamento grande demais para a província.
Vitor: você ganhou um festival de poesia em Cornélio Procópio com uma poesia que falava sobre feminismo. o que é o feminismo pra você?
Ana Luiza: Uma necessidade sufocante que nos faz ir contra o patriarcado.
Vitor: você comentou comigo que nesse festival seu poema sofreu uma censura. como é ser censurada?
Ana Luiza: Aquela poesia falava sobre como a gente se sente silenciada por ser mulher. Quando eu fui censurada, senti que as pessoas só queriam ver a minha arte, e não o que eu queria dizer.
Vitor: o que é a sua arte?
Ana Luiza Martins: Eu acho que ela é o que eu quiser que ela seja.
Vitor: aqui você diz: "queriam ver a minha arte, e não o que eu queria dizer" talvez a sua arte seja o que você diz, certo? talvez elas queiram ver sua imagem, mas não importa muito o que você está querendo dizer. sei lá. acontece comigo. é como Jim Morrison dizia: "as pessoas querem meu pau e não minhas letras".
Ana Luiza: É bonitinho ver uma adolescente fazendo críticas sociais, mas é vulgar misturar palavrões nisso. Eles querem uma arte enxuta da anti-estética.
Vitor: uma vez um poeta me disse: "na minha época não tinha toda essa masturbação de palavrões". disse que não era da época dele. como você vê sua época?
Ana Luiza: É tipo aqueles períodos ruins da história que a gente estudava e pensava: "nossa, como as pessoas deixavam isso tudo acontecer"?
Vitor: temos um amigo em comum que é seu professor. qual a importância de estudar filosofia?
Ana Luiza: Acho que a gente tá num momento, em que a necessidade de ter senso crítico se mostrou gritante. A filosofia ensina isso. Tem gente que fala que é doutrina, ideologia, coisa de esquerda; é tudo coisa que querem que pensamos, pra mantermos passivos às injustiças. Filosofia é a fuga disso tudo.
Vitor: E a poesia?
Ana Luiza: Às vezes ela se faz precisa, às vezes ela é pedida e às vezes ela só é sentida.
Vitor: você está no segundo ano do ensino médio, correto? ano que vem você se forma. outro dia uma moça me parou enquanto eu fotografava a Bienal do Livro e perguntou sobre a carreira de fotógrafo. ela estava confusa, pois gostava de fotografia e queria estudar aquilo, mas que as pessoas - adultas - falavam pra ela deixar a fotografia de plano B e ir estudar algo que lhe dê renda. falei pra ela: "o único conselho que posso lhe dar é pra você fazer algo que lhe renda felicidade". que conselho você daria pra um adulto?
Ana Luiza: Não virem conservadores.
Vitor: espero que você não vire uma pessoa conservadora quando adulta. acredito que a igreja tem um papel importante no pensamento conservador da cidade onde você vive. digo isso, pois convivo com pessoas da cidade que vivem praticamente um exílio dentro da cidade que nasceram. exílio: essa palavra está sendo bastante usada na poesia de hoje. em breve, muito provavelmente, você vai embora de Cornélio por conta dos estudos. consegue prever qual será o gosto da saudade?
Ana Luiza: Bom, eu me mudo ano que vem e estou ansiosa para. Acho que a saudade maior será a da comodidade daqui: tudo é muito perto, todo mundo se conhece. Mas creio que os lados bons superam o maus.
Vitor: sua ausência será uma grande perda pra Cornélio. falando em perdas terminarei como o saudoso Antonio Abujamra: o que é a vida?
Ana Luiza: Uma respiração inconstante.
Cadela Sem Dono
Ana Luiza Martins (Alma).
Eu nasci mulher.
Nasci presa nos brincos que me pregaram com duas horas de vida,
Aquele furo sangrou.
Nasci dos outros, não minha.
Nasci sozinha,
As outras eram todas vagabundas querendo roubar meu namorado.
Não posso confiar.
Nasci de todos, menos minha.
Eu tinha doze quando aquela saia tornou-se um problema:
Tá frio filha, você não vai sair assim.
Mas era verão.
Eu nunca fui minha.
Eu nasci mulher,
Nasci bruxa de inquisição.
Nasci vagabunda,
Livre? Não.
Mas sonhava com a liberdade.
Ser minha?
E quando andava na rua sem coleira
Alguém quis me ter,
“Vagabunda.”
Eu gritei surdamente,
Eu sei que não sou minha, mas por favor,
Deixe-me ser do Fábio, do Rafael ou até mesmo do Pedro.
Não quero ser sua.
Mas eu merecia, implorava por isso.
Eu não era minha, nunca fui.
Eu nasci atriz,
Falsa, sem escrúpulos.
Mulher é a esposa do diabo,
Obedeça seu marido.
Meu?
Eu fui dele em silêncio, rezava baixinho desejando que acabasse.
Eu quis, safada.
Uma vagabunda, mereci.
Não interessa se foi uma vez,
Uma pessoa, ou trinta e três.
Dei porque quis.
Eu nasci cor-de-rosa.
Delicada, ingênua.
Suplicava pra ninguém tentar quebrar essa boneca de porcelana.
Eu sempre fui o brinquedinho dos outros, nunca meu.
Quando acabava, vestia minhas roupas recolhendo minha dignidade do chão:
Daquele beco,
Daquela cama,
Daquele metrô.
E a Cadela ia pra casa,
Tomava banho e orava pra algum deus salvar suas noites dos pesadelos.
Mas a culpa foi minha,
Mesmo eu não sendo minha.
Eu nasci mulher,
nasci sozinha.
Nasci correndo o risco,
implorando por isso.
Nasci sonhando,
Esperando o dia que fosse minha,
Esperando sentada,
Acabada,
Dissimulada,
Frágil, maltratada,
Dramática,
Louca e exagerada.
Somos nós mulheres,
Cadelas da vida.
Somos nós mesmas.
Não temos dono, somos nossas,
até alguém nos tirar isso.
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