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prosa com poeta: Geruza Zelnys

Atualizado: 12 de set. de 2018

a poeta com asas que nasceram do púbis e vivem renascendo em novos vôos, Geruza Zelnys está para lançar aos ventos os ais da memória no último livro que ela lançará esse ano: quintais

(foto: Priscila Andreza)


Vitor: no meu último livro dedico um poema pra você que fala sobre pássaros que voam de olhos fechados e asas abertas. dedico pois surgiu de uma conversa com você e também porque você usa muito as asas nos seus trabalhos. por isso pergunto: quando você está voando o que você vê lá de cima?

Geruza: O chão.


Vitor: um amigo, também poeta, pulou do oitavo andar. Chatterton suicidou, como diz a música. Torquato escreveu "FICO" antes de enfiar a cabeça dentro do forno. Muitos dizem que a poesia salva, mas muitos poetas terminam a vida num suicídio. o que te faz escrever?

Geruza: Para os 3 poetas que você citou, outros 300 não-poetas também se suicidaram. Fazer poesia é que nem ir à igreja ou comer linguiça. As pessoas vão à igreja, comem linguiça e morrem. Eu escrevo poesia.


Vitor: me lembrou do caso do casal que matavam pessoas em Porto Alegre, faziam linguiça e vendiam pra cidade inteira que comia e achava uma delícia. o que você pensa da morte?

Geruza: Penso que ela é antiga e tem todo o tempo do mundo. Por isso pode esperar. Linguiça é uma das coisas que mais gosto, só perde pra carne moída.


Vitor: Carne moída humana bem temperadinha deve ficar delícia também. Segundo minha interpretação resumida de um trecho de "A arte de escrever" de Schopenhauer, ele diz que há dois tipos de escritores: um(a) que escreve o que quer e outrx que escreve o que acha que xs outrxs querem ler. Hoje em dia classifico x segundx como poeta de auto ajuda. O que você pensa sobre isso?

Geruza: Acho que todo escritor escreve pra se auto ajudar. Alguns acabam ajudando aos outros também. E isso me parece muito bom. Ah, e eu gosto de coentro. Tudo com coentro fica melhor.


Vitor: você escreveu um livro infantil baseado num poema do Bukowski. você me disse que no grupo de escritoras mulheres não reagiram bem a isso, certo? por que você acha que não reagiram bem?

Geruza: Sei lá. Acho que o Bukowski é do tipo podrão. Ele tem um livro que chama Mulheres. Não li. Já chorei lendo poemas dele. Eu gosto do Bukowski. Foda-se o Bukowski.


Vitor: Iza Nishioka que está aqui comigo acompanhando nossa conversa disse que achei a parceira perfeita (se referindo a você). como é a solidão pra você?

Geruza: Eu me lembro do dia que a engoli. Foi sem querer. Como um bocado de ar. Desde aí ela mora dentro. Às vezes ela sai pra fora. Ela se parece comigo só que em branco-e-preto. É uma amiga. Só que as vezes os amigos nos traem. (Só os amigos nos traem). Então preciso ficar atenta. Já encontrei a Iza Nishioka na rede social. Ela parece feliz. Gostaria de ser amiga dela. Não me parece solitária. Ninguém parece solitário na rede social.


Vitor: "De perto todo mundo é pixel / em pixel toda curva é ângulo" diz o poema "encontro virtual" de Lucas Guimaraens. os pixels são pontiagudos?

Geruza: Não entendo de pixels. Mas eles são sim. Eu tenho certa facilidade pra me aproximar das pessoas. Então procuro manter uma distância segura pra não espetá-las ou ser espetada por elas. Nem sempre consigo. Mas não entendo nada de pessoas. Eu entendo um pouco de poema. A gente precisa ir abaulando nas pontas. Tem pontas que são duras. O último verso de um poema quase sempre é pontiagudo. Finca que nem estaca no coração da gente. Naquele livro que não li do Bukowski ele diz que o primeiro beijo e a primeira trepada têm certa dramaticidade, depois a gente vai se aproximando e tudo vira pixels. Nao sei. Mas como já disse: foda-se o poeta.


Vitor: você publica livros com frequência. é como Woody Allen que lança quase um filme por ano. uma vez me perguntaram quando estava divulgando o lançamento do novo livro: "outro livro?". respondi: "tô lançando vários pra ver se juntando tudo consigo pagar a luz". por enquanto só consegui apagar a luz. você vê luz no fim do túnel?

Geruza: Eu não publico, só escrevo. Quem publica são os editores. Tenho alguma sorte com editais. Mas, nos túneis, me atrai mais a escuridão. Tem luz demais fora deles. A luz cega. No escuro a gente vai tateando. É a vida na ponta dos dedos. O risco, literalmente. O Levinas diz que a obra é um ato de fé porque não há garantias. Ela se destina ao futuro. O futuro é daqui 3 horas ou 30 anos. Não importa, já serei outra quando ele chegar. Se eu pudesse saber que no fim daria certo, eu escolheria escrever. Se eu soubesse que não, escreveria do mesmo jeito. Então não há escolha. A ideia de escolha é uma ilusão. O que você vê quando apaga a luz?


Vitor: quando se apagam as luzes eu tateio sonhos. pra encerrar a entrevista: conte-me do seu novo livro pela editora Patuá?

Geruza: Quintais é um livro especial. Não planejava publicar já, talvez daqui 20 anos, mas aí arrisquei o 1 edital de publicação de livros da prefeitura de São Paulo e ganhei. Então ele é uma espécie de velho prematuro com uma orelha linda da Francesca Cricelli que expande meus espaços de dentro. Porque esses quintais são aqueles que pisei na infância e adolescência, aqueles quintais que se escondem no detrás do pensamento onde planto, ou enterro, os restos das experiências mais significativas da minha vida. O livro brotou no meio de minhas leituras de Derrida, tem algo de oferenda, de ebo. Não tenho ideia de como será lido porque não houve um leitor previsto. Pelo menos não um leitor que vive neste mundo. Escrevi para aqueles que já se foram. É o meu pedido de perdão e a tentativa de perdoar. Meus últimos 2 livros de poesia, escrevi feliz e sofri enormemente depois da publica-los. Quintais não tem como me trazer dor porque toda ela veio antes. E agora?


Vitor: agora a dor de todo fim. acabou.


quintais


I


quem se importa com portões quando há um quintal infinito verdejando

nos fundos da casa?


e eram tantas calcinhas secando no varal

e o sol a pino queimando a pele

largando vergões vermelhos

no pescoço


te recebia nua às três


num buquê de sálvias

pingando entre pernas

regando os rastros dos meus tênis

ardidas


as mordidas

que me deu de mão beijada


quem se importa com portões quando os dentes aprenderam a desprender fechos e

aldravas?


eram tantas calcinhas secas

e inúteis


Geruza Zelnys

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